Após uma extensa investigação, em 9 de dezembro de 2020, a Comissão Federal de Comércio (Federal Trade Commission) e 48 estados e territórios estadunidenses processaram o Facebook por seu monopólio ilegal de rede social. A ação antitruste visa desmembrar a empresa, forçando-a a livrar-se de dois de seus principais negócios, o Instagram e o WhatsApp.
Isso vem logo após a investigação histórica realizada pelo Comitê Judiciário da Câmara dos Estados Unidos, em outubro, que detalhou como as empresas de plataformas dominantes monopolizam os mercados, abusam de seu poder e violam explícita e propositalmente as leis e regulações. Há ainda outro processo contra o Google, que envolve o Departamento de Justiça estadunidense, por ações ilegais anticoncorrência com relação à proteção de seus monopólios de mecanismos de busca e publicidade.
Embora o resultado final dessas ações ainda não seja conhecido, sem dúvida, elas estão muito atrasadas. A monopolização da economia de plataformas – o que o Facebook confidencialmente chamou de “apropriação de terras” ao adquirir o Instagram – só se aprofundou durante a pandemia de COVID-19. Por exemplo, ao longo dos últimos meses, as cinco gigantes da tecnologia – Facebook, Amazon, Apple, Google e Microsoft – impulsionaram o crescimento do mercado de ações, enriquecendo ainda mais seus proprietários já absurdamente ricos, impulsionando desigualdades econômicas.
Além disso, elas arregaçaram suas mangas e empregaram seu dinheiro e poder para destruir leis e regulações destinadas a controlar suas práticas trabalhistas abusivas. Na Califórnia, por exemplo, empresas de transporte e entregas como Uber e Lyft gastaram o recorde de 205 milhões de dólares em uma campanha de propaganda manipuladora e enganosa para convencer os eleitores a aprovar a Proposição 22, que isenta essas mesmas empresas de uma nova lei que exigiria que eles tratassem seus trabalhadores como empregados em vez de autônomos.
A ascensão sem precedentes de muitas dessas empresas está ligada ao surgimento e à proliferação das plataformas digitais nos últimos anos. Embora esse tipo de modelo de negócios – no qual o produto busca facilitar as interações entre dois ou mais conjuntos de usuários distintos, mas interdependentes – não seja algo novo, o fenômeno emergente do capitalismo de vigilância apresenta novidades.
Atualmente, as grandes plataformas acumulam riqueza e poder sem precedentes – em alguns casos maiores do que muitos Estados-nação, dado seu alcance global – e estão começando a projetar e modificar o comportamento social a partir do interesse da maximização do lucro. Impulsionadas por fluxos aparentemente ilimitados de capital de risco, essas empresas de plataformas estão crescendo seu domínio sobre a economia, ganhando espaço em áreas como varejo online, redes sociais e serviços de mobilidade.
Além disso, esse poder é consolidado e expandido por uma característica fundamental da economia de plataformas: coleta, análise e monetização exponencial de dados gerados pelos usuários da plataforma e coletados pelas empresas que a operam.
O impulso antitruste
As ações antitruste dos últimos meses, ainda em estágio inicial, são sinais encorajadores de que formuladores de políticas públicas, ativistas, entre outros, estão começando a acordar para alguns dos perigos que essas empresas de plataformas representam – incluindo a implementação do trabalho precário como padrão, anulando e ignorando as leis trabalhistas, o aumento do racismo e das desigualdades por meio dos vieses algorítmicos, o aumento da financeirização, a circulação de desinformação e manipulação, o enfraquecimento de regulações tributárias, a degradação ambiental, a erosão da privacidade e o aumento do controle social.
Embora haja desenvolvimentos que são bem vindos, é importante notar que quase não houve, de maneira perceptível, nenhuma aplicação antitruste contra as gigantes de tecnologia nos últimos anos. As autoridades antitruste, por exemplo, não bloquearam nenhuma aquisição entre as centenas realizadas pelas empresas de plataformas dominantes durante a última década. Assim, não está claro o quanto essas ações antitruste por si só terão de sucesso. Então, quais são os seus obstáculos e as limitações?
Em primeiro lugar, para que o antitruste seja realmente efetivo, todo o regime jurídico em torno dele provavelmente precisaria ser radicalmente revisto. Especificamente, nas últimas décadas, houve uma reinterpretação fundamental da lei antitruste pelos tribunais e um grande declínio de processos antitruste bem-sucedidos.
Desta forma, qualquer estratégia que tenha como foco o antitruste depende de uma revisão geral dos fundamentos pelos quais uma empresa é atualmente considerada um monopólio ou anticompetitiva. Em particular, o foco ainda predominante nos preços e no bem-estar do consumidor provavelmente representa um padrão inadequado para ações antitruste contra plataformas em que, na maioria dos casos, o “produto” é essencialmente fornecido gratuitamente.
Em segundo lugar, o aumento da concorrência não relaciona-se à dinâmica natural de monopólio que é inerente à economia de plataformas. “A internet do consumidor é uma espécie de monopólio natural”, como explica Dipayan Ghosh :
Suas principais empresas apresentam efeitos de rede recorrentemente: os serviços de rede operados por Facebook, Amazon e Google aumentam de valor quando mais usuários os utilizam. Isso, entretanto, torna extraordinariamente difícil para os novos participantes do mercado oferecer níveis competitivos de uso aos consumidores, desde o início. Tal como aconteceu com as telecomunicações anteriormente, esta indústria agora mantém barreiras de entrada muito altas, praticamente impossíveis de se superar.
Por último, sem mudanças adicionais na estrutura das empresas (ou seja, a partir de questões como propriedade, controle e valores) e um maior equilíbrio entre os mecanismos (e imperativos) de mercado e a intervenção estatal, uma reconcentração do mercado seria quase inevitável.
No contexto dos Estados Unidos, há muitas evidências disso. Por exemplo, tanto a Standard Oil quanto a AT&T (duas das empresas mais famosas a serem desmembradas pela aplicação da lei antitruste), no fim das contas acabaram conseguindo recompor suas posições. A primeira levou várias décadas para isso (acabando por se tornar a ExxonMobil), enquanto que para a última isso ocorreu de forma relativamente rápida. Isso mostra os desafios adicionais relacionados à implementação de estratégias antitruste em uma era de forte adesão ideológica e política ao fundamentalismo de mercado e ao neoliberalismo.
As alternativas em relação à propriedade
Historicamente, uma das “soluções” comuns para o problema dos monopólios naturais tem sido a regulação como utilidade pública. Embora a ideia de classificar e regular plataformas e outras corporações dependentes de Big Data como serviços públicos seja controversa, ela está começando a ganhar força entre vários especialistas.
No entanto, tanto a prática quanto a teoria (a partir de diversas perspectivas ideológicas) da regulação da utilidade pública nos Estados Unidos sugerem que muitas vezes isso é insuficiente para lidar com os inúmeros problemas associados à concentração e ao poder corporativo, e pouco contribui para a redistribuição ou democratização da riqueza e do controle econômico. O caso em questão é a experiência dos Estados Unidos com grandes empresas fornecedoras de eletricidade que são propriedade de investidores.
Isso mostra que os modelos alternativos de propriedade são o caminho mais viável e radical a seguir e uma das únicas opções capazes de chegar à raiz do problema. Um novo relatório da Common Wealth and the Democracy Collaborative (para o qual os autores contribuíram) apresenta várias propostas da base para o topo e de cima para baixo no sentido de mudar fundamentalmente a estrutura de propriedade, valores, governança, e orientação de plataformas e dados, para obter controle sobre os altos escalões da economia moderna.
Em primeiro lugar, isso inclui transformar algumas ou todas as grandes empresas de plataformas em propriedade pública (seja totalmente ou por meio de uma posição de controle acionário ou majoritário). Parte desse processo deve incluir a incorporação de princípios democráticos em vários níveis.
Por exemplo, se forem tomadas as ações de propriedade nas grandes empresas de plataformas, elas provavelmente deverão ser mantidas em um fundo público autônomo (ou algo semelhante) organizado com representação democrática de vários representantes de trabalhadores, consumidores, funcionários públicos, cidadãos em geral, etc. Uma vez como propriedade pública, as próprias empresas de plataformas também devem ser reestruturadas para incorporar estruturas de gestão democrática e novos princípios de interesse público.
Uma preocupação específica será garantir que os valores de privacidade de dados e antivigilância sejam integrados a essas novas plataformas de propriedade pública. Isso tem que ser pensado desde o princípio, caso contrário, poderia introduzir um risco inaceitável de que as novas plataformas públicas enfrentassem pressões para coletar, monetizar e/ou usar indevidamente os dados, incluindo o compartilhamento com agências governamentais envolvidas na vigilância e no controle social.
Em vez disso, valores e regras antivigilância e a favor da privacidade devem ser incluídos em toda e qualquer legislação de autorização. Além disso, um marco nacional de privacidade de dados, em sentido estrito – seja ele promulgado em conjunto, ou antes do processo de transferência das plataformas para a propriedade pública e democrática – seria um complemento importante para esta proposta, ao mesmo tempo superando o problema de proteção ao consumidor e criando barreiras ao favorecimento das empresas dominantes.
Outro componente importante será a garantia de uma governança global dessas novas plataformas públicas, que envolva as múltiplas partes interessadas. Embora muitas das principais plataformas e grandes empresas de tecnologia tenham sede nos Estados Unidos, seus usuários estão espalhados por todo o mundo. Qualquer proposta para democratizar a propriedade de plataformas e dados deve levar em conta essa dinâmica global e desenvolver formas pelas quais as pessoas em todo o mundo (e não apenas nos Estados Unidos e no Reino Unido) possam se envolver em decisões de propriedade e governança.
Além da propriedade pública das principais plataformas, há uma série de outras políticas públicas que devem ser implantadas para confrontar os monopólios das plataformas e traçar um caminho para afastar o capitalismo de vigilância. Por exemplo, um novo conjunto de poderosos direitos trabalhistas e sindicais, como o proposto pelo projeto de Lei PRO nos EUA, deve ser incorporado nas estruturas de organização e de gestão de quaisquer novas plataformas públicas ou cooperativas (e isso deve ser promulgado independentemente de possíveis mudanças na estrutura de propriedade).
As agências públicas em várias escalas devem se dedicar a incubar e apoiar o desenvolvimento e a proliferação de novas plataformas cooperativas e sem fins lucrativos e alternativas em relação a dados. E o financiamento de tais alternativas poderia ser facilitado por meio de gastos federais diretos e da criação de uma rede de bancos públicos locais e regionais.
Também deve ser criada uma nova agência regulatória com a tarefa de definir e fazer cumprir democraticamente os padrões em torno da coleta de dados – tirando essas decisões das mãos de patrões, empresas e tecnocratas estatais e as entregando a todas as partes envolvidas. Além disso, quando os dados são coletados, eles devem ser mantidos em uma nova rede de data trusts públicos que permitam aos cidadãos e às comunidades o acesso e o controle democrático sobre os dados. Assim, os dados podem servir para melhorar suas vidas e não para serem mal utilizados para fins do capitalismo de vigilância e do controle social.
Por fim, enquanto somos confrontados com a perspectiva emergente de o próprio sistema monetário ser capturado por capitalistas de plataformas, como no recém-renomeado projeto de criptomoeda do Facebook, o Diem, devem ser criados uma moeda digital do Banco Central e um sistema bancário para modernizar as infraestruturas de pagamento, ao mesmo tempo em que se centraliza a preservação da privacidade dos dados financeiros inerentes ao papel-moeda.
Socialismo tecnológico ou barbárie
Nenhuma dessas propostas é um tiro certeiro e todas precisam de mais exploração e aprofundamento. Além disso, como o economista e ex-político britânico Stuart Holland articulou na década de 1970, elas não cumprirão sozinhas o objetivo socialista de abolir completamente o capitalismo do setor privado. Entretanto, poderiam criar uma “reação em cadeia” que radical e permanentemente equilibre os poderes econômicos, políticos e sociais.
Isso é crítico porque, com os monopólios das plataformas e as corporações tecnológicas preparadas para dominar o topo de nossa economia nas próximas décadas, as decisões que tomarmos agora serão cruciais para o futuro. Depende de nós se esse futuro será definido por um capitalismo de vigilância cada vez mais penetrante ou por uma alternativa mais igualitária, democrática e ecologicamente sustentável.
O desafio é liberar o potencial das plataformas e dos dados da lógica da propriedade corporativa concentrada que atualmente molda suas operações. Isso exigirá uma agenda nova e ambiciosa que possa reimaginar como as plataformas e os dados que elas geram – e que nós geramos – são possuídos, governados e controlados.
[…] correr o risco de se sentirem atraídos por noções como o ecossocialismo? Apesar da crescente “reação à tecnologia” contra as FAANGs (Facebook, Apple, Amazon, Netflix, Google), os pensadores capitalistas ainda […]
[…] para se pensar. Existem discussões atuais sobre legislação antitruste nos EUA, algo que quebraria essas empresas ou ao menos colocaria restrições. Enquanto não acredito que essa é a bala de prata para resolver nossos problemas, é um passo […]